A penúria da rica Baixada Maranhense

Por Expedito Moraes. 
Na edição de hoje, peço vênia
aos nossos leitores para reproduzir uma primorosa crônica da lavra de Expedito
Moraes, administrador e baixadeiro natural de Cajari. A
deferência se justifica em razão da aura sentimental de que se reveste o tema
abordado. Assim, para o nosso deleite, passemos à leitura do bucólico texto:
“Todo dia Dona Antônia acorda cedo e procura alguma coisa pra fazer
o “café” da família. Dona Tunica, como é conhecida, se abastece no
povoado mais próximo, na quitanda do Seu Teodoro, com o dinheirinho do Bolsa Família.
Além de ser muito pouco, Seu Teo vende tudo muito caro. Mas é o único
quitandeiro do povoado. Bem surtido, é abastecido pelos caminhões dos Armazéns
Peixoto e Martins e por outros fornecedores alienígenas. Nada, nada mesmo é
produzido neste Maranhão de um potencial tão rico.
Tem uma bancada dentro do seu
comércio, que chama de frutaria, e lá se encontram laranjas, bananas,
melancias, mangas, maçãs, tanjas, atas e outras frutas que vêm da Bahia, Ceará,
Paraíba, Pernambuco, São Paulo etc. Até o quiabo, maxixe, cheiro verde,  vinagreira, 
joão-gomes.  Na Ceasa, 98% dos
produtos vem de fora do nosso estado. Seu Teo está bem sucedido, afinal ele é a
ponta de um perverso e quase imperceptível sistema de transferência de renda
dos estados não produtores para os produtores.
As crianças, todas as manhãs,
precisam percorrer o caminho que atravessa o campo, agora muito seco e cheio de
torrões. Descalças, andam uma légua até a escola municipal. Chegam com o suor
escorrendo pelo rosto misturado com a poeira e mortos de sede. No caminho não
tem água em lugar nenhum. Apenas um pequeno açude, escavado pelo prefeito
anterior, resiste até a seca virar tragédia. Mesmo assim é onde os animais
bebem e são lavados, as pessoas banham, lavam e recolhem água para consumo
doméstico. Essas crianças desnutridas alimentam a esperança de saciar sua fome
com a “merenda escolar”.
Com a aflição da pobreza, Dona
Tunica se desespera. Sem comida em casa, sem água para  suas necessidades, para molhar as plantas e o
seu  “canteiro”. Da pequena
roça, plantada num pedacinho de terra que sobrou do lado de fora da cerca
eletrificada do fazendeiro, morreu tudo por causa da escassez de chuvas. O
poção mais próximo que dava uns tamatazinhos e umas taririnhas secou. Seu
Chico, marido de Tunica, não sabe mais o que fazer, apesar de no inverno pegar
sua canoa e “empurá-la à vara” até o meio do campo para, com um puçá
ou uma tarrafa, pegar o “cumê” da semana em poucos minutos.
Famílias como a de Chico e
Tunica existem aos montes nos campos da Baixada. São famílias quase nômades,
que no inverno vão pro “Teso”, para onde levam  as criações, a fim de que não morram afogadas
nas enchentes ou atoladas na lama, visto que o 
pasto fica submerso nas abundantes águas que recobrem os campos. Ali
constroem ranchos cobertos e tapados de pindoba, giral de assoalho de rachas de
palmeira ou marajá, portas e janelas de meançabas. Tudo é improvisado. Mais
tarde será descartado, vai virar “tapera” assim que começar o
“abaixamento”. Logo estarão em algum lugar perto de uma
“baixa”. 

Esta crônica parece uma obra
de ficção, mas não é. É uma dura realidade. Somente os baixadeiros genuínos conhecem
esse infortínio anual. Por isso, acreditamos que os planos, projetos e ações
reivindicados pelo FÓRUM DA BAIXADA são capazes de reverter essa penúria e
proporcionar melhoria de vida pra mais de meio milhão de pessoas.”

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